sinais
Toda vez que algo importante acontece conosco, sempre pensamos nos sinais de que aquilo estava por vir, e sempre nos culpamos por não notá-los. Às vezes até chegamos a notar, mas temos medo de assumir. É isso, precisamos assumir os sinais.
Depois de anos construindo minha personalidade alternativa de cabelo colorido e corte andrógino, me peguei de cabelo longo castanho, cara de menina boazinha, me vestindo com cores neutras, falando baixo. Não sabia o que tinha acontecido comigo nem como cheguei ali. Sentia falta daquela rebeldia que gritava em mim, agora ela sussurrava, nas unhas neon, nas coisas que eu falava, mas até meu óculos agora era de marca e com um formato mais “elegante”. Eu sempre quis ser essa pessoa, misteriosa, quieta, elegante, mas nunca fui. Senti algum prazer em me observar assim, mas não pude evitar me sentir apagada.
Apontava sempre a ironia de que quem tinha a chance na época puxava meu cabelo quando ele era curto e colorido mas agora que estava longo, já não puxava mais. Nada mais era tão violento, tão intenso, tudo era muito apropriado para ser falado na frente dos pais, dos chefes, toda a relação podia ser compartilhada com qualquer um, e todos amavam. Tudo menos aquele segredo, as noites acordados gritando um com o outro, as lagrimas que com certeza causaram algum dano ao telefone, porque sequer conseguíamos esperar para brigar pessoalmente.
Num sentimento secreto a mim mesma de nostalgia e arrependimento, decidi cortar o cabelo, tão curto quanto antes, embora já não tivesse coragem para pintá-lo, afinal, 25 é velha demais para isso. Imaginava como seria quando ele visse meu cabelo curto de novo, se iria puxá-lo como antes, sentia falta daquela força que já não existia há algum tempo. Errei, ele me viu, deu uma risada disse “ficou bom” e não tocou mais no assunto. Nada do que era antes, de me agarrar, me beijar, me abraçar, nada.
Tudo bem, pensei que uma hora ou outra a magia da novidade tinha que sumir, até que durou bastante. Ainda presa nessa tortura do meu subconsciente que pedia socorro, entrei na pira de voltar a me maquiar. No começo, quando eu ainda era jovem demais para saber o que é apropriado em cada ambiente, estava sempre com as maquiagens mais extravagantes. Adorava como ele falava de cada maquiagem, sabia que ele gostava de sombra dourada e não gostava tanto quando eu usava tons matte. Sabia também que a loucura dele era o batom vermelho e o delineado, um clássico. Ele sempre foi mais do clássico, do básico, eu que sempre fui extravagante.
Pela primeira vez em muito tempo iríamos nos encontrar num lugar, por um tempo específico, sem sairmos juntos de casa nem voltarmos juntos. Pela primeira vez em muito tempo iríamos nos ver sem sermos forçados a assistir a carruagem virar abóbora no final do dia. Pensei que seria a oportunidade perfeita para fazer uma daquelas maquiagens extravagantes, afinal, ele não ia ficar conversando comigo enquanto passo demaquilante com a tiara da fantasia de carnaval, como já era de costume. Essa é a receita para acabar com a magia de qualquer relacionamento que já acabou. O que era charmoso vira “por que você não compra uma faixa dessas de farmácia ao invés de deixar uma fantasia de carnaval na pia do banheiro?”
Pesquisei quais cores de sombra ficam mais bonitos em olhos castanhos, algum guru de beleza disse que verde era bom, fiz um olho todo em tons de verde, lindo, com um toque de sombra dourada bem no canto interno. Eu sabia que ele gostava de brilho, e sabia que ele adorava meus olhos, a cor, o formato, o tamanho, tudo rendia comentários. Cheguei para encontrá-lo e… silêncio. Nenhum comentário sequer sobre a maquiagem que até estranhos na rua me pararam para elogiar. Talvez eu sempre tenha sido demais para ser apreciada por uma pessoa só, hoje eu vejo isso.
Cheguei a reclamar, dizer para ele que ele não tinha elogiado minha maquiagem e ele, com toda a razão disse “não deu para reparar, você está de óculos”. Claro, estranhos repararam, mesmo com o óculos, mas ele que estava a um milímetro do meu rosto não conseguia ver dois olhos enormes contornados de verde musgo e com brilho dourado. Mas ele não estava errado, esse óculos era elegante demais para suportar a maquiagem verde.
Tem coisas que só depois de ser pega de surpresa que se mostram como sinais. É claro que esse homem não me amava, talvez ele nunca tenha me amado. Quem ama alguém não deixa o outro ir de uma pessoa extrovertida de cabelo colorido, maquiagens extravagantes e roupas coloridas para uma pessoa quieta, sem maquiagem, de cabelo natural que só usa preto. Minha pele melhorou muito, preciso assumir. Meu óculos novo, clássico, recebe muitos elogios no ambiente profissional, mas meu cabelo roxo e azul também.
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