alice

 A menina estava deitada na árvore lendo seu livro quando viu um coelho correndo e decidiu segui-lo. Todos sabemos para onde ela vai, o que vai acontecer com ela, menos ela mesma. Alguns usam sua história para se referir a pessoas que acreditam em qualquer coisa, outros para falar sobre pessoas curiosas. Talvez os dois sejam verdade. 


Recentemente me peguei obcecada por alguém. Não existe sentimento nenhum além da obsessão, ele não é especialmente interessante, romântico, arrebatador em qualquer sentido, mas é enigmático. Falando sobre minha obsessão para um amigo que me aconselhava a parar com isso - como fazem os bons amigos - expliquei de uma vez: “ele é meu coelho branco”. Eu sei que segui-lo só vai me levar para lugares que eu não deveria ir, e talvez nem queira tanto assim, mas existe algo no mistério de desvendar essa personalidade inédita que é viciante.


No filme “Veludo Azul”, Laura Dern profere o grande questionamento da minha vida, de forma muito mais simples do que eu conseguiria. Ela pergunta ao principal se ele é um pervertido ou apenas gosta de mistérios. Dali em diante vi o filme todo pensando “afinal, qual é a diferença entre a perversão e a curiosidade?”. A moral já se jogou pela janela, estou falando do sentimento, não da prática.


Desde pequena me considerei curiosa, toda criança é curiosa e as mais curiosas se tornam pesquisadoras. Sei que só me dou bem com meus pares. A sensação de estar num encontro discutindo algum fato histórico e ter o impulso compartilhado de sacar o celular e pesquisar no google e entrar num grande buraco de coelho e descobrir todos os fatos relacionados àquela primeira pesquisa. Descobrir coisas novas talvez seja mais do que viciante, talvez seja inebriante.


Os anglófonos ganharam nessa, “rabbit hole” é uma expressão que mistura bem os dois significados que nós atribuímos à menina do vestido azul e cabelo dourado. Mergulhar por completo num universo alheio ao seu é tentador, para nós pervertidos que precisamos revelar tudo, ver tudo, ter o nosso toque em tudo, mas uma vez dentro desse novo mundo, não há como não se sentir num sonho.


Voltando ao meu coelho branco. Me pego num real estado de transe quando estou com ele. Alguém tão inconstante que pego as poucas oportunidades de tê-lo na minha frente numa mesa de bar como se fosse uma entrevista. Me sinto saindo do meu corpo, caindo na mesa assumindo um tamanho microscópico, escalando seus dedos até chegar no seu pulso, e braço, e ombro e pescoço e, pendurada na orelha tentando achar finalmente meu caminho ao cérebro desse ser enigmático, caio, toda vez. Se ele já tivesse se revelado, talvez não o visse mais. 


Isso é diferente de falar que alguém é interessante. Interessante é a pessoa pela qual nos atraímos por mais do que a aparência, que compartilha dos nossos interesses e tem um humor parecido. Uma pessoa enigmática é apenas isso, o que é muito mais intrigante.


Muitas vezes me pergunto o que me leva a querer mais uma ou outra pessoa. Por que eu não escolho o mais bonito, o mais interessante, o que gosta mais de mim? Por que eu sigo voltando apenas para aqueles que são mais enigmáticos? Digo isso agora e não antes porque só tinha conhecido um desse tipo, mas achei outro. É fato que esse segundo tem mais coisas a favor dele além de ser enigmático, mas ainda assim, de onde vêm as pessoas enigmáticas e por que elas são mais cativantes do que as pessoas interessantes?


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