morango

 Faz algum tempo que tento escrever sobre o que tenho sentido e, pela primeira vez na vida, tenho falhado. Faz mais tempo ainda que venho buscando um bom banho de chuva e não tenho conseguido. Faz exatamente cinco meses que sei que preciso lavar minha alma, preciso jogar fora tudo aquilo que vivi e começar do zero. Faz exatamente cinco dias que minha nova vida começou. 


Em março, minha vida mudou de rumo contra minha vontade, agora, tudo que eu mais queria era finalmente mudar de ares. Ansiava pela mudança mais drástica possível para refletir a revolução que ocorre dentro de mim e consegui. As mesmas metáforas, as mesmas dores, agora sou eu quem as causo, apenas cinco meses depois de tê-las sofrido. Lá atrás, em março, esperava ansiosamente pelas tais águas de março que levariam o amor acabado junto com o verão. Ali, escrevi exaustivamente sobre minha busca pelo banho de chuva que nunca chegou. Vivendo agora meu segundo verão do ano, assistindo pela segunda vez as folhas alaranjarem, as águas finalmente me lavaram. As chuvas de agosto gostaram mais de mim do que as de março.


Talvez tenha conseguido o que queria justamente por finalmente estar em outra. Digo isso da forma mais informal e exagerada possível. Finalmente minha prioridade não é irritar aquele que já foi, provar para ele tudo que está perdendo. Meu foco agora é descobrir quem vai quebrar meu coração nesse novo país e, mais do que isso, aquele que mexeu tanto comigo logo antes dessa mudança. De início, acho inaceitável algo fadado ao fim ser melhor do que aquilo que tem duração garantido, mas talvez seja esse o ponto. Chegamos sabendo que era efêmero, que era lindo, que era intenso, não tinha porque ser qualquer outra coisa. Não nos esforçamos para deixar sério, comprometido, embora fôssemos os dois de signos de terra controladores, prudentes, planejados. Talvez por isso tenha sido tão fácil.


Finalmente admiro as flores do canteiro na saída do apartamento, finalmente enxergo as rosas. Devo confessar que não importa o quanto eu perdoe, não quero guardar amor nenhum, tenho apenas receio. Alguém que machucou tanto não pode ser bom nem na memória. Eu sei, é doído admitir quando algo é ruim, mas algumas coisas não valem nem para saudosismo. Aqui mora a beleza daquilo com fim marcado. Sua insignificância o torna, no máximo, esquecível, mas a insistência em durar torna romântico, irracional. Quando falamos de amor, não existe nada mais lindo do que o esforço mútuo contra a mortalidade da chama, a crença fiel de que será, sim, infinito.


Tudo isso para dizer que aqui o sol me queima, pois já desisti do protetor solar. A chuva molha e eu nem me importo em abrir o guarda-chuva. As frutas ora são azedas, ora são amargas. O morango finalmente é mofado, e eu insisto em saboreá-lo.

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