bilíngue

 Eu não sei exatamente o que dizer. Eu não sei o que eu sinto e não conheço bem o suficiente o chão que piso para poder fingir que sei adivinhar. Vou com tanto cuidado que fico para trás. Piso com a maior cautela já vista, frequentemente confundida com carinho, e hoje eu já nem sei a diferença. 


Eu sei que sinto falta. Tenho saudade quando não está aqui, mas não sei se estou feliz quando está. Eu não sei o que estou fazendo. Alguns dizem que é só maldade, pura tortura com quem me quer demais. Eu não sei se também não quero de volta. 


Tudo nela é lindo. O cabelo é preto como a noite, os olhos parecem um rio, negro, profundo, para o qual se olha por horas sem enxergar absolutamente nada. A pele escura e grossa que aguenta as mordidas mais fortes, as unhas mais afiadas e a voz, macia, sempre pedindo mais. Nada nela inspira cuidado, tudo inspira vontade. 


Pego minha mente insistindo em entender como podemos ser tão diferentes. Tudo em mim inspira cuidado. A idade, a pele frágil, os olhos imensos sempre em busca de um motivo para marejar. Ainda assim, quem cuida sou eu. Sou eu que tenho todo o cuidado, todo o medo, toda a lentidão. Não sei como ela me vê, não sei sequer se ela me vê. 


Fico aqui esperando o próximo comando, se hoje serei só mais uma ou se será mais um dia em que aguento apenas o pior de tudo. Eu já não sei o que eu sou. Eu sou apenas o que ela quer. Um ser amorfo que espera ansiosamente uma vontade de alguém que nunca ouviu um não. 


Prendo-me nas micro evidências para acalmar meu medo de nunca mais a ver. Seus óculos estão aqui, mas ela tem outros, suas roupas estão aqui, mas ela não se importa, minhas jóias estão com ela, mas ela esqueceu. 


Eu já não sei o que será de mim sem ela, não que ela me tenha há tanto tempo. Lembro-me da primeira vez, como um presságio. Ela mandava em mim e eu só sabia repetir a mesma frase “I'm yours, whatever you want from me is already yours”. Eu não sei o que será de mim, eu já nem sei se existo. 


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