amália
O mar toca o farol com tanta força que parece sentir raiva. Uma eterna guerra entre a natureza e o animal consciente de si permeia aquela conversa entre líquido e sólido. O marinheiro atraca seu barco com a certeza de que qualquer segurança dura apenas uma noite. Tudo iluminado à luz da lua, para garantir beleza nas sombras.
Aqui não existe sereia, nenhuma criatura mística encanta os mares que puxam como o olhar mais profundo da mulher mais dissimulada. Ainda assim, os olhos mergulham, numa imensidão negra que engole, mastiga, cospe, com o tipo de violência que te puxa para fazer tudo mais uma vez. O nó é resistente e o barco permanece atracado, lutando contra cada ressaca que tenta levá-lo para longe de seu dono.
Ao marinheiro só resta admirar a raiva daquilo que não é bicho, que não é gente, que é apenas mar. Fenômeno ou elemento, impossível separar o mar da onda, a água do sal. Água que não se bebe, beleza que te sequestra e te mata com a graça de um deus.
No topo do farol, habita um homem que não sabe nada sobre o marinheiro. A ele cabe guardar a costa. Vê o barco, sabe que existe um marinheiro, mas não o enxerga. O homem no farol cuida do mar, teme o mar. Os homens, todos, insistem em cuidar e amar aquilo que os viola. Onde está o amor do mar?
A lua que ilumina traz consigo toda a escuridão da noite e embravece o mar. É mais sedutor assim, sem certezas, sem segurança, apenas a força da onda que bate no farol e quebra com o barulho estrondoso que acorda o marinheiro a cada pouco. Uma péssima noite de sono, um dia inteiro esperando pela próxima vez que terá chance de observar como todo seu amor e admiração aquele animal que o maltrata.
Mar é vício, lua é inebriante. Os homens que ali estão admiram da prepotência de sua distância, um do alto, outro da areia, como se pudessem se manter distantes da água, como se tivessem escolha, como se não estivessem à mercê da felicidade do mar e da lua. Se a lua se vai, o mar fica invisível, fora da sensação pífia de controle que permite a sedução completa. Se a lua é cheia, forte é sua luz e forte é o mar, que bate com mais força naqueles que não sabem se controlar, não conseguem fugir.
Nós, os normais, só visitamos o mar quando faz sol. Temos medo do encontro do mar e da lua. Afinal, nada no mundo se aproxima tanto do infinito quanto a escuridão que envolve o espelho do mar para sua amada. É preciso mergulhar, sem medo do fim.
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