rotina

 Os dias começam sempre da mesma forma, e correm também da mesma forma. O despertar quando o céu ainda está escuro, a corrida que mais se parece com uma descarga de adrenalina diária, o cochilo fracassado de quem não aguentou a nova rotina, a refeição adaptada e, por fim, o trabalho. 


Todos os dias correm de forma simples até o momento do ócio. É nele que se formam todos os demônios, fortalecidos pela tarde, a serem derrotados pela noite. Raros são os dias em que essas bestas não sobrevivem à primeira batalha, tornando necessária a madrugada.


Informações mal entregues, conversas alegres abafadas por angústias. Tudo seria resolvido se todas as falas fossem ditas aos olhos e não às mãos. A falta de sincronicidade tira completamente a entonação de qualquer brincadeira. O que era sarcástico e divertido vira ácido e agressivo. O que foi lido com leveza e cortejo se torna uma declaração que assusta. As palavras, afinal, têm sentido?


Eu tenho sentido muito todas as palavras que me são ditas. Fico remoendo conversas por dias e semanas tentando entender o que devo pensar sobre mim mesma e as pessoas que pensam sobre mim. Numa luta constante entre meu lado racional e meu lado passional, nunca sei se serei insegura ou confiante.


Fato, não existem inseguranças para mim. Não penso em nada que gostaria de mudar em mim mesma e sei que sou feliz assim. Meus sentimentos me mostram que a vida seria mais confortável se fosse menos confiante. Preciso ser insegura para conquistar pessoas? Procuro amor ou preocupação? Sinto que na vida recebi apenas preocupação, nunca amor. Não sei se sei o que é amor.


Meus dias passam rápido. Minhas relações são todas cheias de afeto. Sempre sinto amor. Quando chegam mais longe, vêem meus demônios, enxergam minhas inseguranças. Sinto apenas preocupação. Se preocupam por eu chorar, se preocupam por eu não comer, se preocupam com minha sanidade. Ninguém me ama à tarde.


Todo dia começa igual. A rotina sempre alegre de pequenos carinhos até mesmo de desconhecidos. Vejo a água no lago, vezes plácida, vezes estanque, sempre turva. Sei que o que quero está perto, mas não sei se posso mergulhar.


Meus dias amanhecem escuros e vou dormir com as luzes acesas. Será que realmente sou frágil ou apenas não sei o que é amar? Quem já foi feliz por mim, consegue me deixar cair?


A liberdade de muitos é se sentir cuidado, apoiado. Todos ao meu redor esperam minha vulnerabilidade. Já não sei se tenho pontos fracos. Me amo inteira, mas não é o bastante. Só sinto amor quando estou triste e sempre estou triste porque não me sinto amada. Minha alma nunca ralou o joelho, por mais que eu tentasse alcançá-la. 


Sair sozinha pelo mundo, será que assim conseguirei me machucar? Deveria agradecer quem me quebrou, por me aproximar do sentimento. Mas já sou quebrada há muito tempo, estou esperando para amar. 


Olho para o mundo e tenho a certeza de que não me encaixo. Meus momentos felizes assustam quem estiver ao redor. O mundo não conhece amor. Sei quem eu sou e sei que expresso fragilidades. Uma única pessoa no mundo consegue me enxergar. Sei de minhas qualidades, não sei de minhas fraquezas porque não as vejo assim. 


Sinceramente, sou tão feliz comigo que questiono a necessidade dos outros. Não consigo entender quem tenta se mudar, jamais seria capaz disso. Não quero dizer que seja perfeita, apenas me conheço bem o suficiente para ser completamente neutra à minha existência.


Seriam meus olhos grandes? Meu rosto delicado? O que atrai tantos preocupados? Porque enxergam tanta fragilidade em mim que saio invicta de todas as batalhas? Seria isso o amor?


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