pressa

 O homem acordou cedo demais, mais uma vez. Abriu os olhos e assimilou que o dia ainda não havia começado, todos os dias acaba acordando com o barulho dos preparos. Mesmo assim levantou-se, vestiu-se com o uniforme do trabalho e foi em direção à cozinha. Lá, encontrou sua mulher, que terminava preparar seu pão, enquanto ele pegou a caneca de café e a beijou de forma rotineira.


A mulher nada sentia, apenas cumpria seu dever e sabia que sua vida estava vazia de dúvidas.


O caminho até o local de trabalho é sempre árduo. Ônibus, trem, metrõ, até chegar na zona central da cidade. O trabalho também é árduo, como todo trabalho braçal, mas ainda assim o espírito consegue se manter vivo. Os colegas, os pedestres, tudo do trabalho de rua mantem o espírito vivo. 


A hora do almoço é sempre boa. A conversa, a comida no boteco da esquina, tudo na hora do almoço é bom. Hoje, por um acaso, o homem não retornou do boteco junto com os demais. Ficou para trás para resolver umm afazer qualquer.


Foi aí então que ele o encontrou. Um cachorro rajado de preto e amarelo. Cachorro de rua, magrelo, mas de centro, feliz. O homem olhou para o cachorro, o cachorro olhou para o homem, e os dois seguiram.


O homem caminhava em direção à obra, mas constantemente esbarrava no cachorro. Estava com pressa, precisava voltar logo para o trabalho, mas o cachorro estava atrapalhando seu caminho. 


O cachorro, por sua vez, nada temia. Seguía o homem como se fosse seu dono. Alegre, vulnerável, completamente aberto esperando o amor que estava dando ao seguí-lo incessantemente.


Como se já não bastasse a dificuldade de andar nas ruas do centro de São Paulo com um cachorro no seu calcanhar, as pessoas paravam constantemente o homem para apontar a beleza da cena. Um cachorro rajado de preto e amarelo seguindo amorosamente um homem qualquer. Aquele homem não queria, mas era dono daquele cachorro.


O homem não era antipático. A cada pessoa que o parava ele sorria, interagia com o cachorro e reconhecia sua sorte em ser tão amado, mas estava farto. O homem sabia o que queria e aquele cachorro, que tanto admirava estranhos, pesava como uma âncora amarrada em seu tornozelo.


Farto de toda a situação e cada vez mais apressado para voltar logo ao trabalho, o homem chegou à última esquina. Olhou para os pontos turísticos, admirou a arquitetura antiga e decadente do centro de São Paulo, calculou bem o tempo dos semáforos e viu um caminhão. O caminhão vinha apressado - assim como ele - do viaduto do chá.


O semáforo piscava, era tempo de se apressar, os carros começariam a correr em pouco tempo e ele precisava atravessar. Nada mais podia atrasá-lo, mas o cachorro insistia em chamar sua atenção e pular pedindo carinho. Quanto mais o cachorro o distraía, menos tempo ele tinha antes de ter que correr. Tinha uma decisão a tomar, esperava o próximo sinal verde ou ia agora, rápido.


Ir agora acabaria com dois problemas. Não podia se atrasar mais, precisava continuar seu caminho o quanto antes. O cachorro não conseguiria acompanhá-lo, precisaria correr. Aquele cachorro magrelo, maltratado, não conseguiria correr com ele, por mais que quisesse. Mas então o que seria do cachorro? Ele tentaria seguir seu dono, mesmo que não conseguisse. E o caminhão? O semáforo liberaria os carros que seguiriam frenéticos em direção ao cachorro. O homem enfrentava esse dilema enquanto sentia o tempo se escoar, imaginava seu patrão decepcionado, o que teria que fazer para repor os minutos passados.



Ora, o homem foi, e o cachorro ficou.


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