ela
Acho que me apaixonei pela forma como ela me vê. Não me apaixonei por ela, isso faz parte da magia. Com ela, não sinto o frio na barriga, não ensaio conversas nem tenho frases prontas e assuntos nos quais preciso tocar. Até tento, planejo, mas na hora esqueço tudo e nem ligo. Qualquer romance que crio nos meus pensamentos se dissipa com a visão de algo tão claro, tão simples, tão fácil.
Sob o risco pífio de que ela leia, preciso ressaltar que não sinto nada, apenas penso demais e com isso penso até sobre a ausência do sentimento. Tudo com ela é comum, eu nunca fui comum antes. O mundano, o corriqueiro, o irrelevante nunca fez parte de mim antes. Todos que me olharam até aqui sempre me viram como a mais importante. Eu sempre vivi uma idealização de mim mesma e parece que só ela me enxerga. Mais do que isso, parece que ela nem quer olhar na minha direção e justamente isso me fascina.
Todas as conversas saem com facilidade. Ela não tem medo de me machucar, eu não tenho nenhuma agenda oculta para torná-la obcecada por mim. Se tivesse, nem sei se conseguiria, sinto a completa indiferença e isso me seduz.
Hoje me peguei relendo o e-mail que ele me mandou "[SE EU ESTIVER PERTO NÃO É PRA LER]”. Tanta vulnerabilidade, tanto sentimento. Tudo comigo sempre foi assim. Tudo sobre mim merecia comentários: meus olhos, meu nariz, minha boca, meus braços, minhas pernas, meu corpo, minha pele. Alguns desses comentários, ela também fez. Li, lembrei do que ouvi, e vi que no fundo alguns são apenas verdades, outros fazem parte da mentira que nos contamos quando queremos amar.
Nenhuma pele é macia, ou toda pele é macia, não há nada de especial na pele. Eu nunca fui nada de especial antes. Já não é a primeira vez que penso na extraordinariedade da primeira experiência neutra. Uma relação descartável, que com certeza vai acabar de forma repentina, sem cerimônia. Ninguém nunca me tratou assim antes.
Das formas que procurei para descrever conhecê-la, a melhor que encontrei foi dizer que ela é fascinante. Uma pessoa colocada na minha vida apenas para me mostrar que eu posso viver, sem correr o risco de cair num romance épico a cada esquina.
Ela me olha e eu não sinto seus olhos em mim. Não sinto nela o medo de me sujar de impurezas, não sinto nela a admiração que me entedia em todas as minhas relações. Eu cansei de ser especial. Ela não cuida de mim, o que ela demonstra não tem rodeios. Já disse antes, nunca vivi o amor sem dedos.
Pode soar deprimente, a vida fora do ideal, mas eu vivi presa num sonho romântico e hoje vejo o que é ser livre. Estava numa torre, presa com um príncipe encantado, enquanto todos nos olhavam e diziam que seriamos para sempre. De uma forma ou de outra, elas vieram, quase ao mesmo tempo. Ela veio como quem não quer nada, e não quis mesmo.
Comments
Post a Comment
Leave anything you'd like, positive or negative, I'm all ears!